"The voice of the devil": a reconstrução do mito cristão por José Saramago e William Blake

Resumo

A literatura tem sido atacada pela religião durante muitos séculos sendo considerada blasfema por ir de encontro a dogmas fundamentais dos preceitos cristãos; isso porque o artista expressa sua visão do mundo através de sua arte, sendo que esta pode muito bem fugir à cronologia bíblica, a linearidade religiosa, e às divisões categóricas da igreja entre o que é material e pertence ao homem e o que é transcendental e pertence a Deus. Tendo isso em vista, a hipótese central deste artigo é referente à crítica que a literatura é capaz de fazer, através da recaracterização de mitos bíblicos, contra os preceitos principais da tradição cristã com relação às dicotomias céu/inferno e, consequentemente, deus/diabo. O Evangelho Segundo Jesus Cristo (2008), do português José Saramago, e The Marriage of Heaven and Hell (s.d.), do inglês William Blake, são aqui analisados como responsáveis por colocar em xeque tais dualismos unilaterais. Neste sentido, essas obras revertem o ideal benéfico que acompanha, somente em tese, toda a constituição do que hoje compõe boa parte da espiritualidade no mundo ocidental, desmistificando, assim, os axiomas controversos que fundamentam a crença cristã. Tais obras se provaram fundamentais tendo em vista que questionam pensamentos tradicionais que até hoje são capazes de pulsar, e oferecem visões alternativas de mitos cultivados por grupos que, por uso de artifícios pouco altruístas, os impuseram sobre uma sociedade que não possuía as ferramentas para contesta-las. Hoje nos sobram ferramentas, entretanto nos falta contestação.